Universidade de São Paulo
Centro de Divulgação Científica e Cultural - Campus São Carlos
Setor de Astronomia
(OBSERVATÓRIO – Centro de Divulgação da Astronomia)
Série
Século XX – Astronomia e Astronáutica
A Evolução Estelar

Imagine que um cientista louco desse a você uma tarefa de estudar uma floresta, podendo em apenas 5 minutos tirar quantos fotos você quisesse dela, e também fotografar centenas de quilômetros da mesma em qualquer parte do espectro. Mas, não é permitido tocá-la, e nem obter dados posteriores a estes 5 minutos.

Mesmo com estas limitações, você descobriria como a floresta funciona vendo árvores em diferentes estágios de crescimento, entendendo seus ciclos de vida, recontruindo-os, e percebendo que eles diferem entre si. Você poderia inclusive discutir com outros observadores se pinheiros e secoias são espécies distintas ou não. Mas no final provavelmente obteria sucesso em sua tarefa.

Ninguém tentaria estudar uma floresta desta forma, entretanto os astrônomos são forçados a fazer isto com as estrelas, usando regras semelhantes às impostas pelo cientista louco. Isto acontece, porque a vida de uma estrela é excessivamente maior que a humana. Em média uma estrela vive alguns bilhões de anos, dessa forma a humanidade inteira desde o surgimento do homem até os nossos dias não poderia acompanhar a vida completa de uma única estrela. Todos os dados dos quais dispomos é um pouco mais que um piscar de olhos na escala evolutiva das estrelas.

A informação completa que temos a respeito delas é proveniente da luz que emitem. Os cientistas as analisam decompondo-as em prismas, assim como fazemos com a luz do Sol (nossa estrela mais próxima). Este princípio gerou o método conhecido por espectroscopia, que foi descoberto no final do século XIX. Com ele podemos obter o espectro de todas as estrelas, sendo que cada uma delas possui um espectro característico tal qual uma impressão digital.
 

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(Figura-1)

No início do século XX, na universidade de Harvard sob a direção de Edward Pickering, iniciou-se um estudo do espectro de estrelas brilhantes do hemisfério norte para confecção do catálogo de Henry Draper. A classificação estelar, utilizada hoje em dia, foi feita por Annie Cannon, uma das pessoas que trabalhou neste catálogo. Ela classificou-as de acordo com suas cores, indo do azul (estrelas do tipo O) ao vermelho (estrelas do tipo M).
 

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(Figura-2)

Em 1911 Hertzprung, astrônomo amador Dinamarquês, analisou os dados espectroscópicos do aglomerados das Pleiades e Híades, obtidos por Cannon e outros colaboradores de Harvard. Escolheu estrelas em conjuntos nos quais elas estavam fisicamente próximas entre si para que assim todas estivessem a praticamente a mesma distância da Terra, afirmando que qualquer diferença na magnitude destas estrelas implicaria em diferenças reais nos brilhos e não em diferenças de distância de cada uma delas a Terra. Com isto estudou a relação entre a luminosidade e a cor de cada uma destas estrelas. Ao fazer isto ele criou o diagrama H-R (Figura 3), que posteriormente foi estendido para outras estrelas fora de aglomerados. Este diagrama mostra um esquema congelado da evolução estelar. Independentemente, um outro astrônomo americano Henry Russel, criou o mesmo diagrama. Assim, ficou conhecido por diagrama Hertzprung-Russel ou simplesmente H-R.
 

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(Figura-3)

Ao olharmos para o diagrama H-R vemos que a maior parte das estrelas se encontra numa faixa conhecida por seqüência principal, inclusive o nosso Sol. É nesta região que as estrelas permanecem a maior parte de suas vidas. Em média o Sol ficará mais cinco bilhões de anos já tendo permanecido outros cinco bilhões de anos. É como se fosse a meia idade da estrela, neste período ela se encontra numa fase de calmaria ou estabilidade, já tendo saído da infância e adolescência, mas ainda não tendo atingido a velhice.

Russel assim como Hertzprung independentemente descobriram que havia outros tipos de estrelas as gigantes vermelhas e estrelas anãs. Eles perceberam que uma estrela fria (vermelha) emitia pouca luz por quilômetro quadrado, no entanto, muitas estrelas vermelhas brilhantes, para atingirem o brilho observado, teriam que possuir uma área superficial muito grande, daí o nome de gigantes vermelhas. Enquanto, que as outras estrelas eram extremamente quentes, mas pouco brilhantes recebendo então nome de anãs brancas.

Qual seria a fonte de energia das estrelas? O que faria uma estrela vermelha, branca ou amarela como o Sol brilharem? As primeiras idéias sobre a fonte de energia do Sol são anteriores ao século XX. A hipótese que acompanhou a virada do século XIX para o XX foi a da contração solar proposta por Kelvin e Helmholtz. Segundo a qual, o Sol brilharia por liberar energia gravitacional enquanto contraia. Esta energia armazenada duraria apenas 50 milhões de anos, o que contradiz estudos geológicos do início do século XX os quais provam que o Sol teria alguns bilhões de anos. Assim a fonte do brilho das estrelas permaneceu um mistério já que esta hipótese teve que ser descartada..

No início do século XX, Einstein nos forneceu a chave para este mistério ao escrever sua famosa equação que relaciona a massa com a energia (E=mc2), ou seja, a massa pode ser convertida em energia e vice-versa. Por exemplo, a conversão 1000 Kg de massa produziria 10 13 KWh de energia, esta é energia média consumida por um país do tamanho dos Estados Unidos durante um ano!

Como convertemos matéria em energia? Existem dois processos possíveis a fissão e fusão nuclear. Esta última é a forma de produção de energia das estrelas conforme foi proposta por George Gamow em 1929. Basicamente consiste nos núcleos de elementos químicos leves sendo fundidos para formarem um núcleo mais pesado. No entanto, o produto desta reação terá menos massa do que as partículas originais sendo que a massa adicional foi convertida em energia. A fusão nuclear é também um dos princípios usados nas bombas atômicas. Então, porque uma estrela não explode com uma bomba? Por que, conforme Arthur Eddington afirmou, existe o equilíbrio entre a pressão da radiação emanada pela estrela com a força gravitacional que puxa o gás para dentro dela.
 

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(Figura-4)

O tipo de fusão nuclear do Sol é conhecido por cadeia próton-próton. Envolve átomos de Hidrogênio sendo convertidos em átomos de Hélio, com conseqüente liberação de partículas altamente energéticas como os neutrinos. No entanto, a energia desprendida nesta cadeia não é o suficiente para explicar a de estrelas mais massivas do que o Sol, como as gigantes vermelhas.

Com o intuito de discutir este problema a partir da compreensão do interior das estrelas, físicos e astrônomos reuniram-se no Instituto Carnagie em 1938. Após esta conferência o astrônomo Hans Bethe solucionou o problema. A explicação foi a introdução do Ciclo Carbono-Nitrogênio-Oxigênio. Estes são um conjunto de reações mais energéticas e que, portanto exigem condições mais extremas de temperatura e pressão do que aquelas que ocorrem normalmente no Sol.

O modelo solar mais aceito atualmente envolve dois tipos de transporte de energia a radiação e a convecção.A radiação existe no núcleo onde a temperatura chega a 15 000 K. Por outro lado, a convecção ocorre a temperaturas mais amenas, que aparecem conforme nos aproximamos de sua superfície (6000 K).
 

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(Figura-5)

Mas, como testar este modelo se não podemos olhar por baixo de sua superfície? Pelas únicas partículas que saem diretamente do Sol, os neutrinos (as demais partículas como os fótons, gastam 200 mil anos para atingirem sua superfície). Nós Podemos detectá-los por meio de um tanque de 378 000 litros de um composto de Cloro, um fluído de limpeza chamado percloroetileno (C2Cl4) conforme foi feito pela primeira vez nos Estados Unidos em 1968. Quando um átomo de Cloro absorver um neutrino, o processo nuclear transforma-o em um átomo de Argônio37. O átomo de Argônio37é radioativo e tem uma vida média de 35 dias. Determinando-se a quantidade de Argônio37 produzida dentro do tanque, nós temos a quantidade de neutrinos que passou pelo tanque desse composto de Cloro. O resultado dessa experiência foi negativo – nada de Argônio37 e portanto nada de neutrinos. A teoria foi revista e igualmente o projeto. Outros detetores foram construídos no planeta com resultados mais positivos, mas ainda assim a taxa de produção de neutrinos no interior das estrelas (SOL) prevista teoricamente está em desacordo com os resultados medidos. Esses resultados, nos mostram que a taxa de neutrinos encontrada é apenas um 1/3 da prevista O que há de errado? Os cientistas ainda não sabem se o problema está no comportamento dos neutrinos ou nos modelos estelares.

Como funciona o interior de estrelas extremamente massivas? Estas estrelas, ao contrário do Sol, possuem outros elementos químicos em abundância além do Hidrogênio e do Hélio. O modelo de seus interiores foi proposto por Fred Hoyle em 1957, o chamado modelo das cascas de cebola, pois cada elemento químico do mais pesado ao mais leve vai se depositando sucessivamente em camadas do núcleo a superfície. A fusão nuclear ocorre em cada uma das camadas de forma distinta por causa das diferenças entre a temperatura e a pressão no interior da estrela.
 

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(Figura-6)

Todos os elementos químicos da tabela periódica até o Ferro foram sintetizados por estrelas! O processo de produção cessa no Ferro pelo fato dele manter a sua configuração atômica ainda estável dentro de uma estrela. Devido as condições de pressão e temperatura numa estrela, nós não identificamos a presença de chumbo, de ósmio, de ouro, ou até mesmo de urânio. Esses átomos não conseguem existir nessas condições.Uma quantidade excessiva de Ferro, no interior de uma estrela, leva-a a um processo crítico de colapso. O que é esse colapso? O processo de fusão nuclear no interior da estrela começa gerando hélio a partir de hidrogênio. Em etapas sucessivas, na evolução da estrela ela segue para reações de fusão nuclear mais violentas, pois numa certa hora o hidrogênio será muito menor que a quantidade de hélio. Como o hélio gerado é mais denso que o hidrogênio, aos poucos ele vai ocupando a parte central do núcleo da estrela e o hidrogênio remanescente será apenas uma casca – tal qual uma laranja. Chegará um momento em que o hidrogênio cessará a sua fusão – não há mais hidrogênio: logo a parte superior da estrela cai sobre o núcleo de hélio. A pressão sobe a temperatura sobe e então, a estrela atinge a condiçõa necessária para ocorrer a fusão do hélio gerando elementos mais pesados. Essa seqüência segue até o limite da produção de átomos de Ferro. Quando a estrela cessar esse processo de produção de Ferro o que acontece? O mesmo que na etapa inicial de hidrogênio para o hélio! A estrela não liberando mais energia, a parte superior, acima do núcleo estelar rico em Ferro o preciona violentamente. A pressão é tremenda e simplismente um elétron consegue juntar-se com um próton. Cargas opostas se repelem como é bem conhecido na Eletricidade. Esses dois constituintes atômicos quando juntos geram uma explosão terrível liberando uma quantidade enorme de energia em muito superior as das famosas bombas atômica e nuclear sobre Hiroshima e Nagasaki durante o final da Segunda Guerra Mundial.

Essa energia fantástica liberada produz a Supernova e o brilho resultante dessa explorão pode equivaler ao brilho total de todas as estrelas de uma galáxia. Depois desse caos tremendo, a temperatura diminue a os resíduos da explosão começam a se reagrupar. Num momento, toneladas de ouro, cobre, prata, mercúrio, ferro, ósmio e chumbo são fabricados.
 

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(Figura-7)

Em 1967, com um radiotelescópio construído como parte de sua dissertação de PhD na Universidade de Cambridge na Inglaterra , Jocelyn Bell detectou um conjunto rápido de pulsos que se repetiam num intervalo de 1.33s. Alguns meses depois ela descobriu outras fontes de rádio e publicou os dados em conjunto com o seu orientador, Anthony Hewish na revista Nature. Hewish acabou ganhando, sozinho o prêmio Nobel de 1974 pela descoberta dos pulsares de Bell.

Estes enigmáticos pulsares foram identificados por Thomas Gold em 1968 como sendo estrelas extremamente massivas com campos magnéticos intensos girando sobre seus próprios eixos de rotação. Hoje eles receberam o nome de estrelas de nêutrons. São corpos com apenas 10-20 Km de diâmetro e uma densidade absurda de 1015 g/cm 3 .

Mas como os pulsares ou estrelas de nêutrons estão relacionados com a evolução estelar, ou seja, que fase da vida de uma estrela que eles representam? A descoberta de um pulsar na nebulosa do Caranguejo (Figura 7) nos forneceu a explicação. Pois esta nebulosa é uma remanescente de Supernova, ou seja, restos de uma estrela que expeliu suas camadas externas numa devastadora explosão. Mas curiosamente a estrela sobreviveu, pois podemos escutar o seu coração bater, ou seja, detectamos os pulsos que ela emite (com uma potencia de 75 000 sóis).

A massa da estrela define o seu destino. Estrelas com uma massa nuclear de menos de 1.2 a 1.4 massas solares darão origem a anãs brancas. Estrelas com uma massa nuclear entre 2-2.5 massas solares produzirão estrelas de nêutrons e uma supernova. Enquanto que estrelas com mais de 2.5 massas solares terão massa o suficiente para colapsarem em buracos negros.

A hipótese de o Buraco Negro ser um objeto extremamente massivo com um campo gravitacional tão intenso que nem mesmo a luz escapa é antiga (certamente anterior ao século XX). Como um objeto pode ser denso o suficiente para reter a luz? A teoria da relatividade geral de Einstein forneceu a resposta, logo após a publicação da teoria do astrofísico Schwarzschild (1916) de que o raio de um buraco negro de uma massa solar teria no máximo três quilômetros. Qualquer objeto de qualquer massa pode se tornar um buraco negro se uma força o comprimir o suficiente. Porém, um corpo com mais de três massas solares terá obrigatoriamente que se tornar um buraco negro após as reações termonucleares cessarem, pois é a única forma de pressão que poderá suportá-lo. É isto que ocorre com estrelas muito massivas.

Como detectamos um buraco negro se não podemos vê-lo? É através das perturbações que causa na órbita de estrelas vizinhas principalmente quando se encontra em um sistema binário. O candidato mais conhecido é Cygnus X-1 descoberto em 1971. Consiste de uma estrela supergigante extremamente quente e um objeto compacto a orbitando com uma massa maior que cinco massas solares possivelmente um buraco negro.

Mesmo apenas apreciando as estrelas num piscar de olhos de suas escalas evolutivas, sabemos que elas obedecem à lei fundamental da natureza, a reciclagem de matéria no universo. Como por exemplo, o Sol que possui uma abundância de 92.1 % de H e 7.8 % de He e outros 0.1% de elementos químicos como ouro, prata, nitrogênio ect. Estes outros elementos mais pesados do que o H e He não foram produzidos pelo Sol. Então da onde vieram? A única explicação plausível é a de que existiu pelo menos uma outra estrela mais massiva do que o Sol. Esta mesma estrela ou estrelas é quem produziu todo o ferro que está em nosso sangue, o ar que respiramos, o cálcio de nossos ossos. Ou seja, somos todos filhos das estrelas.

Silvia Ribeiro Calbo

São Carlos 25 de janeiro de 2001

Silvia Ribeiro Calbo é monitora do CDCC no Setor de Astronomia e está cursando o bacharelado de Físca do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) – USP/SC.
 
 
 

Imagens e Créditos

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Figura 1 - Espectro de emissão de hidrogênio neutro
De: Astronomy – The Cosmic Journey http://astronomica.org/textbook/
William K. Hartmann WEB EDITION Chris Impey
Copyright © 1994 by Wadsworth, Inc. HTML by Guy K. McArthur

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Figura 2 – Classes Espectrais - Feita pela autora do trabalho

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Figura 3 -Diagrama H-R Autoria de Ednilson Oliveira

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Figura 4 – Emissão de radiação na contração gravitacional
De:
REVISTA DIVULGAÇÃO artigo: Evolução Estelar 
autores : Prof. Francisco Jablonski (ON/CNPq) e Prof. Augusto Damineli Neto(IAG/USP).

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Figura 5 - Esquema mostrando as camadas internas do Sol
Autoria de Luciano Françoso Osório para o trabalho "Estudo de Manchas Solares’

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Figura 6 - Estrutura interior de uma estrela massiva "Modelo de casca de cebola"
De: Astronomy – The Cosmic Journey http://astronomica.org/textbook/
William K. Hartmann WEB EDITION Chris Impey
Copyright © 1994 by Wadsworth, Inc. HTML by Guy K. McArthur

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Figura 7 -Nebulosa do Caranguejo uma remanecente de Supernova : 
FORS do Very Large Telescope de 8.2m do European Southern Observatory.