Como Escolher um Telescópio
Por Alan MacRobert (Sky & Telescope)
Como escolher um Telescópio
Um bom par de binóculos perfaz um excelente "primeiro telescópio", pelo menos até certo ponto. Os binóculos foram os únicos instrumentos óticos que eu tive no meu primeiro ano como observador do céu, e estes me pareceram ser exatamente a maneira correta de começar. Mas durante aquele tempo eu estava trabalhando na direção de um objetivo maior: construir um refletor de 150 mm.
Fazer o próprio telescópio foi a única maneira de ter um. Eu percebi depois que essa limitação foi na verdade uma benção. Isto evitou que eu tivesse um telescópio muito cedo, (antes de eu saber o que fazer com ele), e me fez valorizá-lo com uma jóia a despeito das coisas que um telescópio deste tamanho não pode fazer.
Mais cedo ou mais tarde todo astrônomo amador iniciante tem que encarar a questão sobre o que fazer para conseguir um bom telescópio. Esta é a decisão mais critica que você vai tomar no seu hobby. Escolha bem e o telescópio vai oferecer-lhe uma vida inteira de noites agradáveis de exploração do céu. Escolha mal e é muito provável que ele lhe traga frustração e desapontamento e acabe sendo oferecido nos anúncios de classificados como "Excelente condição, raramente usado".
O que fazer para tomar a decisão certa? Isto depende mais de você do que do telescópio em si. Se você vive no quinto andar de um apartamento no centro da cidade com pouco espaço para guardar coisas e é fascinado pela Lua e planetas, você deveria ter um telescópio inteiramente diferente daquele que você teria se morasse numa fazenda em Mato Grosso com um grande e espaçoso galpão e se o seu verdadeiro amor fossem as galáxias. O dinheiro que você pode gastar, o peso que você pode carregar e a quantidade de observações que você já fez a olho nu e com binóculos são também cruciais.
A característica mais importante de um telescópio é a abertura, isto é, o diâmetro da lente principal ou do espelho. A abertura determina o brilho e a definição de tudo o que você irá' observar. Um telescópio de 70 mm nunca poderá mostrar estrelas mais apagadas, ou detalhes num planeta como fará um telescópio de 150 mm bem feito. Um 150 mm, por sua vez, jamais poderá' competir com um bom 250 mm.
O aumento, não é algo a se considerar quando estiver encomendando um telescópio. Você pode fazer qualquer telescópio aumentar quantas vezes quiser usando diferentes oculares. Uma ocular é um pequeno conjunto de lentes que se acopla ao telescópio e por onde se observa os objetos. A maioria dos telescópios vem com algumas delas, e outras podem ser compradas separadamente. Mas é inútil usar um aumento muito grande num telescópio de pouca abertura. Você não verá nada a não ser um borrão aumentado várias vezes. Apenas um telescópio de grande abertura (com uma montagem solida) pode mostrar uma imagem decente com 200x ou mais. Em todo caso, as oculares que aumentam menos são as mais fáceis de usar e as que oferecem as imagens mais agradáveis. Você usará um aumento baixo na maior parte do tempo.
A regra geral afirma que o máximo aumento útil, mesmo sob condições ideais de céu, é 20 vezes por centímetro de abertura. Isto o limita a usar 140x numa luneta de 70 mm, 300 x num telescópio de 150 mm, etc. Mas ainda assim considera-se este limite muito acima do ideal.
Desconfie de qualquer telescópio anunciado pelo alto poder de aumento. Se você vir um 60 mm sendo anunciado numa loja de departamentos como "Aumenta 475 x !!!", quer dizer que o fabricante acha que você é ignorante e ingênuo. Com esta atitude eles também tentam esconder varias outras deficiências do equipamento. Uma ênfase exagerada no alto aumento é certeza de que o equipamento na verdade é um lixoscopio de brinquedo.
Já que a abertura é tão importante, você pode imaginar que escolher um telescópio é fácil, basta escolher o de maior abertura que você encontrar! Mas na prática não é tão simples. Se o telescópio for muito pesado para transportar facilmente ou exigir muito tempo para se montar, você raramente vai usá-lo. Mesmo entre os telescópios de mesma abertura, alguns tipos são mais portáteis, outros oferecem imagens mais nítidas e outros são mais econômicos. Os conselhos que seguem o ajudarão a avaliar todos os fatores para tomar a melhor decisão.
Tipos de Telescópios
Existem basicamente três tipos de telescópio a escolher: o refrator, o refletor e o catadióptrico. Cada um deles tem vantagens e desvantagens, as quais você deverá avaliar de acordo com o seu estilo de vida e objetivos de observação.
Refrator
Os refratores possuem tubos longos e relativamente finos com uma lente objetiva frontal que capta e focaliza a luz. A qualidade de um refrator varia do pior ao melhor dos telescópios. Refratores de lojas de departamento do tipo anunciado para o povão são geralmente os piores. A qualidade pode ser baixa, e a sua montagem é freqüentemente tão cambaleante que você quase não consegue apontá-lo para objeto algum. Se o seu orçamento para astronomia o limita a esta faixa de preço, fique com os binóculos.
Você diz que já tem um telescópio deste tipo? Bem, coragem; Galileo iria se deliciar com ele. Mantenha suas expectativas baixas, a sua paciência intacta e não se culpe se ele apresentar problemas. Atitude é tudo. Muitos amadores iniciaram com sucesso com refratores de lojas de departamento. Para os objetos brilhantes e facilmente encontráveis (tente a Lua) eles podem servir muito bem.
Os refratores melhores, por outro lado, também são encontrados no mercado se você tiver paciência de procurar por eles e caixa para pagar por eles. Novos e complexos desenhos de lentes, oferecidos por algumas poucas companhias tem criado os mais soberbos (e caros) telescópios do mundo. Estes telescópios são chamados de "apocromáticos", e não devem ser confundidas com os telescópios mais simples chamados de "acromáticos". Com tanto dinheiro investido nas lentes principais, os fabricantes geralmente também produzem montagens de alta qualidade que trabalham suavemente.
Vantagens
Os refratores de todos os tipos são rígidos, requerem pouca ou nenhuma manutenção e possuem tubos fechados que o protegem da poeira e reduzem a degradação da imagem causada por correntes de ar. Se as lentes forem boas, um refrator oferece imagens nítidas e de alto contraste para uma determinada abertura; isto é especialmente desejável para a lua e os planetas.
Desvantagens
Os refratores geralmente têm abertura pequena, tipicamente entre 60 e 120 mm. Para muitos propósitos astronômicos isto é ainda muito pouco; objetos pouco luminosos como galáxias e nebulosas irão aparecer como fracos borrões quando você conseguir detectá-los. Um refrator normalmente exige um espelho ou prisma diagonal na ocular para tornar a observação mais confortável. Isto torna a imagem espelhada, o que dificulta a comparação com as cartas celestes. Alem disso, um bom refrator custa mais por centímetro de abertura do que qualquer outro dos tipos de telescópio.
Refletores
Os refletores usam um espelho côncavo grande e pesado ao invés de lentes para coletar a luz e focalizá-la. Você olha através de uma ocular colocada no tubo próxima a entrada de luz. Por décadas o refletor reinou sem concorrentes na astronomia amadora. Alguns dizem que ainda reina. O refletor é também conhecido como "newtoniano".
Vantagens
O refletor oferece mais abertura por dólar investido. É simples o suficiente para que os adeptos do "faça - você - mesmo" possam construir um a partir de um esboço ou mexendo em um já pronto. A qualidade ótica pode ser bastante alta. O refletor contém um numero par de espelhos (dois), então você vê uma imagem correta (não invertida). É improvável que a umidade se condense nos espelhos em noites frias, um problema comum em outros tipos de telescópios. A montagem pode ser pequena e baixa próxima ao chão, o que oferece estabilidade, enquanto a ocular ainda fica numa altura conveniente.
Desvantagens
Os refletores podem exigir mais cuidados e manutenção. O tubo é aberto ao ar, o que significa poeira nos espelhos, mesmo que o tubo seja guardado envolto em capas apropriadas (embora uma quantidade moderada de poeira nos espelhos não afete a performance do telescópio). Os espelhos precisam de ajustes ocasionais para mantê-los perfeitamente alinhados, uma tarefa simples porem tediosa de girar parafusos e roscas nos suportes dos espelhos. Durante a observação, é provável que correntes de ar embacem a imagem até que o telescópio fique com a mesma temperatura do ar circundante (a menos que o tubo seja muito bem ventilado).
Diferentes relações focais
Todos os telescópios, e em especial os refletores, eles apresentam desempenhos diferentes em diferentes relações f/. Em geral quanto maior a relação focal melhor. Relações menores que f/6 ou f/5 exigem que o espelho secundário seja relativamente grande, e isto reduzem um pouco a nitidez da imagem. As distorções se tornam mais aparentes próximas a borda do campo de visão, e todo o sistema ótico é muito mais sensível a pequenos desalinhamentos. Um espelho de relação focal baixa é difícil de fazer com alta qualidade. Também, com uma relação f/ baixa você tem que usar oculares melhores e mais caras para conseguir imagens nítidas em qualquer lugar exceto no centro do campo visão. Por todas estas razões um refletor com f/4 quase nunca vai conseguir o mesmo desempenho de um refletor f/8 bem feito.
Por outro lado, um f/4 é muito mais portátil e manuseável. Tem apenas a metade do tamanho de um f/8. Um refletor de 25 centímetros de abertura com f/4 tem um metro de comprimento e cabe no banco de trás de um carro para que você possa levá-lo para um lugar que tenha um céu bem escuro. Um 25 centímetros f/8 têm 2 metros de comprimento e é um problema logístico maior para transportá-lo.
Catadióptrico
Ou telescópios compostos usam tanto lentes quanto espelhos. A versão mais popular é o Schmidt-Cassegrain, que surgiu no mercado na década de 70 e rapidamente conquistou seu lugar ao lado dos refratores e refletores que já existiam ha séculos. Os comentários seguintes aplicam-se primordialmente aos SCs.
Vantagens
A vantagem dos SCs não está na performance visual, mas sim na portabilidade, conveniência e opções especiais tais como sistemas avançados de acompanhamento computadorizado. Apesar de a maioria das pessoas poderem carregar um refletor de 20 cm para lá e para cá, eles na verdade são pesados e desengonçados. A maioria dos Schmidt-Cassegrain vem com numa maleta que pode ser levantada com uma só mão (o tripé é separado). A maleta pode ser colocada no bagageiro de um carro ou num armário como se fosse uma mala de viagem, enquanto que um refletor tende a tomar todo o espaço de que você dispõe.
O tubo relativamente pequeno de um SC permite um acompanhamento mais confiável, tornando a astrofotografia menos difícil (nunca é fácil). Eles são excelentes telescópios fotográficos. Controles eletrônicos elaborados é uma opção nas montagens dos SCs para fotógrafos e usuários de câmeras CCD. Alguns podem ser adquiridos com sistema de apontamento computadorizado. O usuário digita o numero do objeto que deseja observar e o telescópio automaticamente aponta para o objeto.
Desvantagens
A imagem formada por um SC será provavelmente um pouco menos nítida do que a imagem formada por um bom refletor de mesma abertura. Isso é mais perceptível quando se observa os planetas. O custo de um SC é maior do que o de um bom refletor de mesma abertura. Um espelho ou prisma diagonal é normalmente usado na ocular para oferecer uma posição de observação mais confortável (como nos refratores), e isso significa que a imagem que você vê fica de cabeça para baixo e espelhada. O mecanismo de focalização pode ser muito delicado e impreciso. Você não pode desmontar o telescópio; ajustes maiores significam que você tem de devolver o telescópio para a fábrica ou chamar um ótico especializado.
Montagens
O melhor telescópio não tem valor se ele estiver numa montagem medíocre. O menor balanço será transformado num terremoto seja qual for o aumento que você estiver usando. Você não verá muita coisa enquanto o céu estiver tremendo na ocular.
Infelizmente, quase todas as montagens têm uma desagradável tendência a ficar balançando. Geralmente isto é devido a um descuido na fabricação (ou corte de custo do fabricante) em um ou mais pontos cruciais. Mas, um pequeno grau de instabilidade é o inevitável de se fazer uma montagem leve o suficiente para não ter que ser carregada por um guindaste.
Existem dois tipos básicos de montagens:
A montagem equatorial é construída para que você possa facilmente seguir os objetos celestes na medida que a Terra gira. De outro modo, a rotação da Terra faz com que os objetos saiam do campo de visão da ocular muito rapidamente (em cerca de um minuto usando-se 75 ou 100x). A maioria das montagens equatoriais vem com um motor de passo (acompanhamento) para compensar a rotação da Terra automaticamente. A montagem equatorial deve ser alinhada com o Pólo Sul Celeste toda vez que você montar o telescópio. Felizmente, isso não precisa ser feito muito acurado para observação visual. Basta que se aponte o eixo polar na direção do Pólo Sul Celeste.
A montagem altazimutal é mais simples. Ela apenas se movimenta da esquerda para a direita e para baixo e para cima. Você deve cutucar o telescópio sempre que quiser seguir os objetos pelo céu. A montagem altazimutal é mais barata e mais leve e possui muita estabilidade, vantagens que são exploradas ao máximo nas montagens dobsonianas para refletores gigantes e de baixo custo. Grandes telescópios altazimutais, entretanto, exigem que o usuário seja muito hábil para encontrar os objetos pelo céu. Os dobsonianos realmente grandes são os melhores para observadores experientes de objetos difusos, que são sedentos de abertura.
Qualquer que seja a montagem que você tiver não se impressione com o peso ou tamanho da mesma. Nada pode destruir o seu entusiasmo como uma visão eternamente trêmula, exceto um telescópio apoiado numa montagem realmente solida e estável. Uma montagem que dificilmente balança quando você a toca ou quando você focaliza um objeto é um prazer de usar.
Seus Interesses
Os planetas, a Lua, e estrelas binárias cerradas exigem grande aumento, bom contraste e excelente resolução. Se estes são os objetos que mais lhe interessam, a melhor escolha é um refrator ou um refletor de alta relação focal.
Objetos pouco luminosos como galáxias e nebulosas precisam de abertura, abertura e abertura. Um grande refletor é a escolha lógica se esta será a sua especialidade.
Se você não tem um interesse específico e pretendo tê-lo, um telescópio de tamanho médio será o ideal, talvez um refletor de 15 ou 20cm com relação focal f/6 ou f/8, ou um Schmidt-Cassegrain de 20 cm.
Um fator pode limitar a sua escolha de interesse: poluição luminosa. A Lua e os planetas mais brilhantes escapam ilesos mesmo através da pior poluição luminosa. Mas os objetos mais apagados como as galáxias e nebulosas são devastados por ela. Se você conseguir se proteger de luzes que incidem diretamente sobre você ou seu telescópio, poderá observar a Lua como estivesse numa fazenda. Os objetos menos luminosos, porem, ficarão invisíveis.
Finalmente um conselho em relação ao tamanho do telescópio. Você não apenas olha pela ocular do telescópio, você também tem que transportá-lo, montá-lo e desmontá-lo. E, tudo isso quando a maioria das outras pessoas está mais disposta a ir para a cama dormir. Se você acha que estas tarefas são aborrecidas, provavelmente não irá observar muito freqüentemente. Muitos iniciantes esquecem isso e compram grandes telescópios que se tornam elefantes brancos, pois raramente são usados.
Antes de sair à procura de um telescópio lembre-se que um instrumento pequeno de 60 ou 70 mm pode lhe mostrar mais do universo do que um instrumento de 40 cm, se você usá-lo mais freqüentemente.
O melhor telescópio é o que você vai usar mais. O quando de diversão você vai ter, o quão bom você será como astrônomo amador, dependerá muito mais do tempo que você permanecer observando e não do diâmetro do seu telescópio.
Notas:
(*) - Relação f/ ou #f - A razão entre a distância focal e o diâmetro da objetiva ou espelho do telescópio determina um número - a RELAÇÃO f/ ou #F - quanto menor esse número mais caro e igualmente mais sofisticado tem que ser o desenho óptico do instrumento. Salvo projetos especiais com as objetivas apocromáticas que são extremamente caras dadas a sua alta qualidade e performance óptica. Exemplo: Refrator Amaetur Zeiss 100/1000 é um telescópio com objetiva acromática de 100 mm de diâmetro e 1000 mm de distância focal, logo o seu #f= 1000/100, ou seja: f/10 ou #f=10.
Texto traduzido por Kiko Soares - Clube de Astronomia de Presidente Prudente.
Revisado pelo CDA-CDCC-USP/SC - 05/07/1999