(Dietrich Schiel).
O ensino nas primeiras séries do ensino fundamental, no Brasil, tem se concentrado nos problemas da Alfabetização e da matemática elementar. Há rico acervo de pesquisas e metodologias desenvolvidas no país. Menos estudada tem sido a chamada "Alfabetização Científica". Em geral as professoras e os professores destas séries não sentem segurança para tratar de assuntos de ciências (v. ATHAYDE et al). Entretanto tambem aqui há antiga tradição no país, desde as " Lições de Coisas" que os mais velhos entre nós aprendemos. Livros específicos para este nível foram publicados, por exemplo por Oswaldo Frota Pessoa e Rachel Gevertz,. Entre projetos mais recentes,citamos o de Ana Maria Pessoa de Carvalho e colaboradores da Faculdade de Educação da USP (CARVALHO et al 1998). Mencionamos ainda trabalhos desenvolvidos em Porto Alegre (BORGES e MORAES 1998), e outros referidos em WEISSMAN (1998). Citamos ainda, sem de maneira alguma pretender ser completos publicações de qualidade destinadas ao professor ou leigo interessado - ALMEIDA e FALCÃO (1996), GASPAR (1999), DIEZ (1996) e VALADARES (2000).
Na presente proposta, pretendemos aproveitar os trabalhos precedentes no país, juntando ainda com idéias provindas de outros países, conforme descrito a seguir.
A prática das propostas deste programa de ensino de Ciências, baseado na articulação entre a experimentação e o desenvolvimento da expressão oral e escrita, iniciou-se na década de 90, em Chicago, pela ação do prêmio Nobel de Física, Leon Lederman.
Em 1995, Georges Charpak, prêmio Nobel de Física - 92, conhece este método de ensino, aplicado então a crianças de 5 a 12 anos de idade. Diante da necessidade de uma renovação no ensino de ciências e tecnologia na escola francesa e do desenvolvimento da expressão oral e escrita dos alunos, este pesquisador, juntamente com a Academia de Ciências, implanta esta proposta na França.
Para esta finalidade são traduzidos ao francês os módulos "insights" do programa americano "Hands-on" e se cria uma infra-estrutura de produção de materiais e desenvolvimento de capacitação para os professores. Na França este programa, "La main à la pâte", baseado no principio de adesão voluntária, está hoje em contínua expansão e seus princípios foram incorporados nas diretrizes do Ministério da Educação desse país.
O contato estreito, entre diversos educadores brasileiros e membros da equipe francesa do projeto la main à la pâte, culminou em uma proposta de cooperação entre as Academias de Ciência da França e do Brasil para a implantação deste projeto em nosso país, sob a direção geral de Ernst Hamburger. Coordenada por Dietrich Schiel, uma equipe composta por nove profissionais brasileiros foi capacitada na França em maio 2001, com recursos das Academias e do governo francês. Ficou estabelecido que o projeto no Brasil teria o nome de "ABC na Educação Científica - A Mão na Massa". O sentido duplo de ABC refere-se à Academia Brasileira de Ciências e à alfabetização. Inicialmente uma parceria da Universidade de São Paulo (por meio dos centros de divulgação científica Estação Ciência, na capital, e CDCC - Centro de Divulgação Científica e Cultural - em São Carlos) e da Fiocruz, no Rio de Janeiro, com as Secretarias de Educação Municipais das cidades de São Paulo, São Carlos e Rio de Janeiro, bem como das Secretarias de Educação Estaduais de São Paulo e Rio de Janeiro, foi implantado o projeto em escala piloto.
Em Junho 2001 diversos textos franceses foram traduzidos ao Português e já em agosto se iniciaram as atividades piloto em sala de aula em São Carlos e São Paulo. Material experimental especial foi produzido pelo CDCC/USP. Atualmente os textos e propostas utilizados no Brasil são produzidos localmente.
Kit sobre flutuação e mudança de estados físicos produzido pelo CDCC/USP. Cada kit permite e experimentação a 10 grupos de alunos . |
Na rede estadual de São Paulo, capital, cada uma de 4 escolas participou inicialmente com quatro professores de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental e o coordenador pedagógico, sendo acompanhados pelo assistente técnico pedagógico da Diretoria de Ensino à qual as escolas pertencem. A capacitação deste grupo foi realizada em quatro encontros com duração diferenciada, de um a quatro dias, para desenvolver e discutir com os participantes as atividades propostas antes de serem aplicadas na sala de aula. O tema escolhido para ser trabalhado com o grupo foi Água, especificamente as mudanças de estado físico. As atividades foram estruturadas em quatro momentos fundamentais:
1)a apresentação de um problema para o qual eram formuladas hipóteses para solucioná-lo;
2)a realização da parte experimental onde as hipóteses eram testadas;
3)a discussão das observações e conclusões;
4)o registro de toda a atividade.
Os professores desenvolviam pelo menos uma atividade nas capacitações e em seguida, faziam a aplicação da mesma em sala de aula; desta forma, as aulas de ciências passaram a ser realizadas semanalmente. Depois da aplicação em sala de aula a equipe de capacitação se reunia com os professores e o coordenador de cada escola, nas horas de trabalho coletivo dos professores, para discutirem os problemas encontrados no desenvolvimento das atividades com os alunos; essas discussões direcionavam o encontro de capacitação subseqüente, visando suprir as necessidades apontadas pelos professores. Com essa metodologia o elenco de atividades programadas podia ser reestruturado, de forma a adaptar-se à realidade da escola. Nas aulas de capacitação discutia-se ainda a adequação da linguagem e os diferentes tipos de textos que o professor poderia utilizar nas aulas, pois o projeto tem como um de seus pontos fundamentais o desenvolvimento das expressões oral e escrita dos alunos. A capacitação dos professores permitiu que os mesmos realizassem as atividades antes de aplicá-las em sala de aula, o que viabilizou a introdução e discussão dos conceitos científicos abordados. A metodologia de trabalho familiarizou os professores e alunos com a prática experimental, com a elaboração de hipóteses, verificação das mesmas e o registro das discussões e conclusões. A troca de experiências entre os professores foi apontada com um ponto relevante para o desenvolvimento do trabalho pedagógico. Os professores apontaram que a aplicação do projeto provocou nos alunos uma maior participação e entusiasmo nas aulas de ciências. Os professores apontaram ainda, que diminuíram os problemas referentes a disciplina em sala de aula e os alunos comentam que passaram a gostar mais das aulas de ciências.
Definição de flutuação. Um texto negociado coletivamente numa classe de Educação Infantil. |
Na rede municipal de São Paulo o Curso de Formação Docente em Iniciação Científica foi realizado entre julho e dezembro de 2001, em duas fases, onde foram discutidos módulos com o tema água, especificamente Flutuação e Empuxo, destinados à aplicação em sala de aula. A fase I foi realizada em 5 encontros de 4 horas diárias em julho e a fase II com encontros mensais de 4 horas cada, entre agosto e dezembro, com oficinas para todos os professores do Ciclo I do ensino fundamental, coordenadores pedagógicos das três unidades escolares envolvidas. Foram produzidos textos de apoio para a ação educativa, módulos temáticos, caderno de experiências, vídeos, kits de experimentos, bibliografia sugerida, criação de site, e o Relatório Ilustrado Mão Na Massa. A formação destes professores permitiu que estes realizassem as atividades experimentais com entusiasmo e alegria pelas crianças nas aulas de ciências. Para relatarem suas observações e conclusões necessariamente os alunos lançaram mão da linguagem oral e escrita, apresentando um desenvolvimento significativo nas diversas formas de registro e maior socialização entre os grupos na classe. Em 2001, 60 professores desenvolveram o projeto com 1940 alunos de 1º a 4º anos do Ciclo I, nas três escolas com êxito, permitindo assim que a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo avaliasse a necessidade de expansão para outras escolas de sua rede de ensino em 2002. Assim, hoje, 28 escolas da rede municipal, ou seja, 500 professores e 18.000 alunos estão implicados.
Em São Carlos, SP, professores de Educação Infantil e do Ensino Fundamental das redes estadual e municipal foram capacitados em julho 2001 em curso de 20 horas e participaram de 6 reuniões de acompanhamento e avaliação durante o semestre. Os alunos registravam suas concepções prévias e hipóteses em pequeno grupo, apresentavam a proposta experimental à coletividade da classe e realizavam o experimento (novamente em pequeno grupo). Em seguida anotavam os resultados quantitativos e qualitativos através de escrita e/ou desenho e finalmente negociavam coletivamente na classe e registravam a versão final do conhecimento produzido. A contextualização em relação à temática científica mais ampla era realizada previamente ou após a experimentação, de acordo com a conveniência específica do conteúdo. Para a avaliação os professores traziam relatos sobre o desenvolvimento em sala de aula às reuniões de acompanhamento, sendo que estes resultados eram incorporados à dinâmica do trabalho e serviram de subsídio à equipe para o aperfeiçoamento do método. Além disso, a equipe visitou todas as escolas e entrevistou os professores. Dos 754 alunos de 1a a 4a séries da rede estadual, participantes, 561 responderam a uma avaliação escrita comum a todas as escolas. Nesta avaliação os alunos foram confrontados à descrição de situações experimentais inusitadas e eram solicitados a interpretar cientificamente e registrar situações do cotidiano. Os resultados, indicando sucesso da metodologia, levaram a equipe a desenvolver, em 2002, o Curso de Aperfeiçoamento de 182 horas sobre "O Universo da Ciência no Ambiente Local". O projeto em São Carlos hoje envolve aproximadamente 120 professores das redes pública de ensino.
Trabalho em equipe sobre ebulição com alunas de 4a série. Equipamento produzido por CDCC/USP |
No Rio de Janeiro o trabalho foi desenvolvido na Fundação Oswaldo Cruz (IOC/FIOCRUZ), tendo como alvo professores do ensino público estadual e municipal. Vários pesquisadores da Fiocruz se uniram em torno de uma proposta educacional que traz em seu bojo a idéia de que o processo de alfabetização científica deve ser reconhecido como um pressuposto da cidadania e condição sine qua non para a inserção na cultura. Através de parcerias entre cientistas, profissionais do campo da didática das ciências e professores públicos, foi desenvolvido um conjunto de atividades, calcadas no princípio investigativo, a serem realizadas em sala-de-aula ou no entorno da escola. A construção compartilhada de estratégias e materiais inéditos contribui para o desenvolvimento global do educando. A integração de docentes de esferas que, normalmente, nunca se tangenciam - como é o caso dos professores estaduais e municipais - colaborou para a melhor adequação das propostas às faixas etárias e às distintas realidades. Para o trabalho educacional do módulo "água", o grupo optou por subdividir os materiais em três kits: "propriedades da água", " água e vida" e "água e saúde".
Na cidade de São Carlos foram desenvolvidos módulos, acompanhados de kits com material experimental sobre a flutuação, mudança de estados físicos da água, Astronomia e os órgãos de sentido, além de diversas propostas envolvendo conceitos ligados ao meio ambiente. Neste contexto foram desenvolvidas atividades originais para a Educação Infantil sobre os temas de animais e plantas em nosso cotidiano. Nesta atividade coletiva as crianças escolhem um animal ou planta, cujas propriedades são investigadas durante meses, tanto através de observação direta (ver abaixo) quanto através de consulta a livros, revistas, outras crianças, familiares e outros cidadãos diversos, como por exemplo, patroas de mães que são empregadas domésticas.
Crianças de 5 e 6 anos examinam uma jibóia (boa constrictor) viva (ver texto) |
Em 2002/2003 iniciou-se, a partir do Centro de Divulgação Científica e Cultural da USP em São Carlos a expansão do projeto a outras cidades brasileiras, com início na vizinha Ribeirão Preto. Posteriormente o projeto foi transferido a Jaraguá do Sul (SC), Vitória (ES), Campina Grande (PB) e Piracicaba (SP). Em Ribeirão Preto o projeto atinge hoje cerca de 30 escolas, em Vitória 5 escolas, em Campina Grande 2 e em Piracicaba e Jaraguá do Sul 1 escola. A capacitação é realizada em duas fases: 1 - capacitação presencial de membros das equipes locais; 2 - capacitação à distância, com software especialmente concebido, de professores aplicadores locais.
Na rede municipal de São Paulo 500 professores que participaram da Formação em Iniciação Científica em 2003, contextualizaram temáticas relativas à água, meio ambiente, através da proposta metodológica Mão na Massa. Potencialmente foram envolvidos 18.500 alunos dos quatro primeiros anos do Ciclo I. Avaliações realizadas pelos professores quanto ao entusiasmo e desempenho das crianças que participaram das atividades, provocaram uma reflexão na prática do ensino de Ciências e demais áreas do conhecimento. Segundo eles as aulas tornaram-se prazerosas, incentivando os alunos a gostarem mais da escola. O desenvolvimento de habilidades e atitudes científicas conduziram a postura investigativa diante do mundo real, possibilitando o desenvolvimento da autonomia em relação às tomadas de decisão. Este é um projeto que promove um movimento de reorientação curricular na escola (SANTOS et al 2003). Professores da rede estadual em São Paulo apontaram mudanças na postura em sala de aula, passando a atuar como mediadores junto aos estudantes e promovendo uma participação mais ativa por parte dos mesmos. Esta ação, requer pesquisas por parte dos docentes na elaboração das aulas, pois o questionamento dos alunos é maior e mais diversificado. Segundo eles, houve melhoria na qualidade das aulas, às quais agora procuram incorporar aspectos interdisciplinares
No grupo do Rio de Janeiro relata-se a constituição do kit Caixa d´água, onde a temática central foi subdividida em três módulos: a importância da água, vida na água e água na vida e água e saúde. No primeiro módulo foram abordadas as propriedades que distinguem a água de outros solventes e a tornam essencial para a vida.Estimula-se a percepção sobre a quantidade relativa de água no planeta e, ao mesmo tempo, discute-se seu percentual reduzido para o consumo, chamando a atenção para o problema do desperdício. No segundo módulo foram criadas atividades experimentais e lúdicas, enfocando o papel fundamental da água tanto no meio interno como no externo ao corpo dos seres vivos. Já no terceiro módulo, o material foi direcionado à pesquisa sobre as origens, os usos e os tipos de aproveitamento da água nos lares. A relação íntima entre a qualidade da água e a questão da saúde coletiva foi enfatizada, através de problemas recorrentes no ambiente escolar.
Na cidade de Ribeirão Preto atualmente participam 17 escolas e 35 professores sendo o projeto integralmente financiado pela Secretaria de Educação daquele município. Estas contrapartidas se somarão às facilidades de capacitação desenvolvidas neste programa aumentando-se a eficiência de ambos. Contrapartidas deste tipo também já estão ocorrendo em Campina Grande, Vitória e Jaraguá do Sul, onde o projeto foi implantado em 2002/2003.
Em São Paulo e São Carlos o projeto está sendo aplicado também em grupos de jovens e adultos e classes especiais e de aceleração. Sobre a aplicação a jovens e adultos favor consultar o trabalho de HAMBURGER, SETUBAL et al. 2002.
Obrigado pela visita!
Centro de Divulgação Científica e Cultural - CDCC - USP
ABC na Educação Científica - Mão na Massa